MERCADÃO DE CAMPINAS

O Mercado Municipal de Campinas, popularmente conhecido como Mercadão de Campinas, foi inaugurado em 1908 e é uma peça central não só do comércio local, mas também da história e arquitetura da cidade. Tombado como patrimônio histórico e artístico, ficou em 5º lugar na votação popular que escolheu as 7 maravilhas de Campinas, realizada em 2007.

A história do Mercadão e de Campinas se misturam. Embarque nessa viagem do século 19 até os dias de hoje junto com a gente. Boa leitura!

Fachada Mercadão de Campinas

História dos mercados prévia ao Mercadão de Campinas

Desde o início do século XIX, Campinas já sofria com a escassez de alimentos de primeira necessidade, devido aos “atravessadores de víveres”, que compravam os alimentos na entrada da cidade e depois vendiam mais caro e também pelo predomínio das plantações de café em detrimento de outros gêneros como: milho, arroz, feijão, mandioca e legumes.

Com base nesses desafios que afetavam principalmente a classe mais pobre, as autoridades buscaram soluções que culminaram nas primeiras edificações destinadas ao comércio de alimentos.

As Casinhas [1820-1861]

As Casinhas foi o primeiro recinto fechado destinado à recepção e distribuição de alimentos da ainda Vila de São Carlos. Se localizavam bem no centro da vila, entre a Rua de Cima (atual Rua Barão de Jaguara) e a Rua do Meio (atual Rua Dr. Quirino), de frente para a via que ficou conhecida como Rua das Casinhas.

Eram 5 casinhas de pouco de 3 m cada uma, 4 destinadas para verdes e cereais e 1 para açougue. De altura mediam 3,3 m e as paredes de taipa de pilão tinham 0,66 m de espessura.

Esse espaço não demorou para se tornar um ponto de encontro movimentado da cidade, porém não resolveu os problemas de demanda por alimentos, que só aumentava junto com o crescimento da população.

Em 1861, com o início das operações do Mercado Grande, o primeiro mercado de Campinas, a câmara municipal decidiu desativar e vender o antigo prédio das casinhas. A justificativa era que o local, ocupado por açougueiros e carniceiros, comprometia o decoro e a saúde pública. As casinhas continuaram abrigando pequenos comércios por um tempo, porém em 1864, foram proibidos açougues.

Mercado Grande [1861-1896]

Durante a década de 1850, apesar das tentativas de fiscalização e punição por parte das autoridades, persistiam os problemas com os atravessadores. A alta do café para exportação “roubava” terras para cultivo e mão de obra de outros gêneros.

Com a crise de abastecimento se agravando, a pressão popular e também das autoridades da província fez com que o então presidente da Câmara, Luis Henrique Pupo de Morais apresentasse um parecer reclamando medidas enérgicas e urgentes contra essa situação.

Sem chegar a uma conclusão, a Comissão de vereadores deixou na mão do Presidente apresentar alguma solução. Dois dias depois, Pupo de Moraes sugeriu a criação de uma Praça do Mercado, onde os distribuidores poderiam vender seus produtos diretamente ao público. 

O local escolhido foi o Largo do Chafariz do Nascente, área da atual Escola Carlos Gomes, na época mais afastada do centro, fazendo divisa entre o limite urbano e rural da cidade.

A Câmara, buscando uma solução rápida e econômica, propôs a construção de um rancho pequeno e modesto para servir como mercado. No entanto, esse projeto feito às pressas, não agradou ao vereador Joaquim Egídio de Sousa Aranha, que não esteve presente nas sessões em que essa decisão foi tomada. Ele era favorável ao mercado, mas acreditava no plano de um edifício que atendesse melhor às necessidades e o progresso da cidade

Joaquim Egídio não se limitou à crítica e apresentou aos colegas um projeto para um mercado octogonal, com cada lado medindo aproximadamente 13,5 m. A Comissão de Contas considerou que a planta tinha uma “arquitetura de melhor gosto” e aprovou o projeto, dividindo a construção em quatro fases, para não sobrecarregar a despesa municipal.

Ilustração Mercado Grande
Mercado Grande - edifício da esquerda - Imagem: Centro de Memória - Unicamp

O primeiro mercado público de Campinas começou a funcionar em 1861 e além de reduzir gradualmente os problemas que a população e a administração vinham enfrentando, com o crescimento da circulação de pessoas, foi o pilar de uma série de melhorias naquela área da cidade, como: organização dos terrenos do entorno, construção de acessos como passagens e pontes e até arborização.

Você sabia?

Após a inauguração do mercado, a atual Rua Boaventura do Amaral, antes conhecida como Rua do Brejo e depois Rua do Chafariz, passou a ser chamada de Rua do Mercado.

O Córrego do Tanquinho, que passava em frente ao local, também passou a ser conhecido como Córrego do Mercado.

Após a inauguração do Mercado de Hortaliças em 1872, conhecido como “Mercadinho”, o Mercado Grande também passou a ser conhecido como “Mercado Velho” e “Mercado dos Caipiras”, antes de encerrar suas atividades como local de comércio de alimentos em 1896.

Por ocasião da epidemia de febre amarela, o prédio sofreu várias modificações, sendo adaptado para funcionar como Desinfectório Central em 1898 e foi finalmente demolido em 1918 para a construção da Escola Normal.

Imagem do edifício do Mercado Grande já adaptado como Desinfectório Central
Imagem do edifício do Mercado Grande já adaptado como Desinfectório Central

Mercado das Hortaliças (Mercadinho) – [1872-1885]

A necessidade de ampliar e organizar melhor a distribuição de gêneros alimentícios na cidade, impulsionou a construção de um segundo mercado, o Mercado de Hortaliças, inaugurado em 1872 no Largo da Cadeia, bem no coração do centro da cidade.

O Mercadinho, como ficou conhecido para se diferenciar do Mercado Grande, tinha uma localização estratégica que facilitava o acesso de comerciantes e consumidores e se esperava que ajudasse na fiscalização e controle por parte da polícia, mas não foi bem assim.

O entorno do Mercadinho, ponto de encontro de escravos do campo e da cidade, era repleto de botequins, cortiços e

quitandas, conhecidas naquela época como tanguás.

Após 10 anos de funcionamento, começaram a se fortalecer os argumentos para a construção de um lugar maior e melhor localizado, para entre outras coisas, evitar o aumento de pequenos pontos de venda ao redor do Mercado e os problemas de salubridade pública.

Em 1885, a Câmara decidiu demolir o Mercadinho, mesmo com o protesto dos negociantes, que já haviam pago sua licença para todo o ano.

Fechar um mercado 14 meses antes de construir o novo, gerou uma dispersão dos negociantes, que tentaram se instalar no Mercado Grande, mas acabaram se espalhando pela cidade e pelos tanguás, causando exatamente o problema que se queria evitar.

Novo Mercado das Hortaliças (depois Casa das Andorinhas) [1886-1908]

Mercado das Hortaliças 1886 - Imagem: Centro de Memória - Unicamp

O novo Mercado das Hortaliças foi construído na Praça da Liberdade (atual Largo das Andorinhas), fora da área central e próximo do Mercado Grande.

No dia de sua inauguração, em 24 de dezembro de 1886, apesar de todos os preparativos para festejar esse evento importante para a cidade, com a presença de políticos, funcionários municipais e imprensa, acabou comparecendo somente 1 comerciante com algumas uvas e maxixes.

Os primeiros dias não foram muito diferentes, com somente uma banca alugada. 

A explicação é que os tanguás faziam muito sucesso, principalmente com a classe mais pobre, estavam distribuídos no centro e nos bairros, mais próximos dos consumidores. Também era uma maneira de seguir suas próprias regras ao não terem uma fiscalização direta, como no mercado.

Por ser um lugar mais fechado, controlado e possivelmente mais caro, o ambiente do mercado não agradava aos escravos, libertos e imigrantes que circulavam pelas ruas.

Acervo da Fundação Biblioteca Nacional – Brasil

A tentativa de solução da administração foi reduzir o valor do aluguel das bancas. Sem o resultado esperado, em 1888 acabaram oferecendo 1 ano grátis para atrair os comerciantes. 

A Câmara também interveio criando um imposto altíssimo para os tanguás, forçando o Mercado das Hortaliças como única opção possível.

Após 3 anos, o Mercado ainda não havia se consolidado. Quando tudo parecia perdido, uma comissão de 30 negociantes apresentou uma petição para ocupar finalmente o espaço.

O Mercado das Hortaliças começou a cair em decadência após a abertura do novo Mercado Municipal, o Mercadão em 1908.

Sem uso, foi invadido por uma infinidade de andorinhas, tanto que o local, até sua demolição em 1956, ficou conhecido como Casa das Andorinhas.

Foi sugerida uma reforma para modernizar o espaço, até então com piso de barro socado e teto sem forro, porém aquele templo modesto, próximo à cadeia pública e ao pelourinho, já não representava os anseios daquela nova sociedade.

Mercado Municipal de Campinas – Mercadão [1908]

Mercado Municipal de Campinas nos anos 60 - Imagem: Centro de Memória - Unicamp

A inicio ligada à ferrovia

A proposta para a construção de um mercado na Praça Correia de Mello foi apresentada na Câmara Municipal em 1906 por Luiz Nogueira Ferraz.

A família Nogueira, uma das acionistas da Estrada de Ferro Funilense, financiou a construção em troca de 20 anos de exploração. Por esse motivo, o edifício foi usado principalmente no início como armazém de carga e como estação final da ferrovia Funilense, que movimentava carga e passageiros.

O local escolhido era estratégico, próximo ao centro e às estradas que conectavam Campinas com fazendas e cidades vizinhas.

Trem da estrada de ferro Funilense na Estação Carlos Botelho - Centro de Memória - Unicamp

Arquitetura e Construção

O imponente edifício de estilo neomourisco, foi encomendado pelo Barão Geraldo de Rezende juntamente com a família Nogueira e desenhado por Francisco de Paula Ramos de Azevedo, um dos mais renomados arquitetos da época. 

Essa abordagem arquitetônica, presente em muitos edifícios públicos do período, conferia um ar exótico e sofisticado à estrutura, alinhando-se aos ideais de modernização urbana e higiene que eram muito valorizados no início do século XX.

Com área total de 7.720 m², sendo 3.110 m² de área construída, o edifício possui uma planta retangular de 3 naves 

que combinam alvenaria de tijolos e estruturas metálicas, com telhados sobrepostos, criando um pé direito central mais alto, favorecendo a ventilação e a distribuição de pontos de iluminação natural. 

A obra durou aproximadamente 1 ano e ficou a cargo dos “Irmãos Mazzini” e supervisionadas pelo arquiteto Augusto Fried, representando o Escritório Ramos de Azevedo. 

A distribuição do espaço interior foi se reorganizando ao longo do tempo seguindo as necessidades de cada fase que o mercado viveu: armazém/estação, atacado/varejo e finalmente só varejo.

Mercado Municipal de Campinas 1938 - Centro de Memória - Unicamp

Inauguração e primeiros anos do Mercadão de Campinas

O edifício foi inaugurado em 12 de abril de 1908. Orosimbo Maia era o prefeito, o primeiro escolhido por voto popular. Nessa época, Campinas tinha pouco mais de 35.000 habitantes distribuídos entre as áreas urbana e rural.

O prédio inicialmente foi batizado com o nome de Luiz Nogueira Ferraz, patriarca da família Nogueira e pai de José Paulino Nogueira e Major Arthur Nogueira Ferraz. Até hoje se preservam inscrições originais com o seu nome sobre os arcos no interior do edifício.

Nos primeiros anos após sua inauguração, o Mercado Municipal de Campinas tinha um uso predominantemente voltado ao armazenamento de mercadorias transportadas pela Estrada de Ferro Funilense. O edifício foi projetado inicialmente com o objetivo de servir como um entreposto para os produtos agrícolas que chegavam pela ferrovia, que era um importante meio de transporte de cargas da região de Campinas.

Em uma das laterais do mercado (onde depois se instalou a peixaria), ficava a estação Carlos Botelho, ponto final e inicial de mercadorias e passageiros com destino às “Villas” de Cosmópolis, José Paulino (Paulínia), Arthur Nogueira, seguindo até o último ramal, em Pádua Salles (Conchal).

Esse uso como depósito agrícola foi essencial nos primeiros anos, uma vez que a cidade de Campinas ainda se recuperava dos impactos das epidemias de febre amarela e buscava reorganizar sua economia.

Imagem: Centro de Memória - Unicamp

De armazém a mercado municipal

A importância logística do mercado começou a declinar quando, em 1925, a Funilense foi incorporada à Estrada de Ferro Sorocabana, que redirecionou suas atividades para outras rotas. A estação Carlos Botelho, diretamente ligada ao mercado, foi desativada. Com as “paradas e baldeações” mudando para a região da atual Avenida Brasil, o espaço foi ocupado pelas jardineiras, principalmente da Auto Viação Cosmópolis. 

Com o encerramento das atividades ferroviárias, o prédio do Mercadão passou a ser gradualmente ocupado por feirantes e pequenos comerciantes que vendiam produtos diretamente à população. A configuração do espaço, com amplos salões, facilitava essa transição, e o local foi dividido em lojas e setores e começou a ser reconhecido como um ponto de venda de alimentos frescos. Ao longo da década de 1920 e início da década de 1930, o mercado foi se consolidando como um centro de comércio varejista e atacadista.

Em 1933, o edifício passou por uma importante reforma, que incluiu melhorias na infraestrutura de iluminação, água e esgoto, e o prédio se tornou propriedade pública e foi oficialmente transformado em Mercado Municipal pela Prefeitura de Campinas.

O auge como centro de distribuição

Durante as décadas de 1950 e 1960, o Mercadão de Campinas viveu seu auge como centro de abastecimento, exercendo papel fundamental no fornecimento de alimentos tanto no varejo quanto no atacado. Localizado em ponto estratégico da cidade, o Mercadão recebia diariamente centenas de veículos com mercadorias vindas das mais diversas regiões.

Segundo levantamento publicado pelo jornal Correio Popular em maio de 1970, o mercado operava com intensa movimentação: cerca de 150 caminhões chegavam todos os dias trazendo gêneros alimentícios, enquanto outros 110 veículos vinham de diferentes municípios para se abastecer. Além disso, aproximadamente 40 caminhões e caminhonetes de feirantes e pequenos varejistas circulavam no entorno do prédio, totalizando uma média de 300 veículos por dia nas imediações do mercado.

Esse fluxo intenso não apenas evidenciava a importância logística do Mercadão, como também fazia dele um ponto de encontro social e comercial. Os depósitos atacadistas instalados ao redor fortaleciam sua função como entreposto regional, abastecendo Campinas e outras cidades do interior paulista, além de localidades em estados vizinhos.

Antes da construção da Central de Abastecimento (CEAB), inaugurada em 1972, o Mercadão era reconhecido como o principal elo da cadeia de distribuição hortifrutigranjeira de Campinas, cumprindo uma função essencial na economia e no cotidiano urbano da cidade.

A ameaça de demolição

No final da década de 1960 e início dos anos 1970, o Mercadão de Campinas enfrentou uma de suas fases mais delicadas: o risco real de ser demolido. Em nome da modernização urbana e do reordenamento do centro da cidade, surgiram propostas oficiais para a construção de um novo centro de abastecimento fora da área central — e com isso, o antigo prédio do Mercadão passou a ser visto por alguns setores como obsoleto e ultrapassado.

Essa intenção foi noticiada pela imprensa local e confirmada em uma reportagem do Correio Popular, publicada em 21 de maio de 1970. A matéria anunciava, com clareza, que os “dias do velho mercado estavam contados”, uma vez que a construção da nova Central de Abastecimento — a CEAB, futura CEASA — já estava prevista para começar às margens da Via Anhanguera. O novo projeto, mais amplo e com foco no comércio atacadista, era apresentado como alternativa moderna e funcional para o escoamento de produtos agrícolas.

A possível demolição do Mercadão, entretanto, encontrou forte resistência entre comerciantes, historiadores e setores da sociedade civil. A mobilização foi intensa, articulando argumentos sobre seu valor arquitetônico, cultural e histórico para a cidade. A pressão da opinião pública foi decisiva para evitar o desaparecimento do edifício, que mesmo enfraquecido comercialmente, seguia como um símbolo do cotidiano campineiro e da memória coletiva urbana.

Com a não concretização da demolição, o Mercadão foi preservado e passou, nas décadas seguintes, a ocupar novo papel na cidade, agora voltado majoritariamente ao varejo e à valorização do patrimônio histórico.

Deslocamento do atacado

A partir de 1972, o papel do Mercado Municipal de Campinas começou a mudar com a inauguração da CEAB (Central de Abastecimento de Campinas), criada para descentralizar o comércio atacadista e melhorar as condições sanitárias e logísticas do abastecimento alimentar. Localizada inicialmente no Jardim do Lago, a nova central enfrentou resistência dos comerciantes, que viam o local como distante e precário.

Essa transição ganhou força com a criação do Sistema Nacional de Centrais de Abastecimento (SINAC), que impulsionou a implantação da CEASA-Campinas. Oficializada ainda em 1972, a nova central foi instalada às margens da recém-aberta Rodovia Dom Pedro I, em terreno municipal. Com início efetivo das operações em 1975, a CEASA tornou-se o novo polo atacadista da região.

O deslocamento do atacado foi gradual, mas irreversível. A modernização do sistema de abastecimento urbano, aliada ao planejamento viário da cidade, esvaziou o Mercadão de sua função original. O antigo entreposto, que por décadas abastecera Campinas e região, passou a assumir um perfil mais voltado ao varejo e à gastronomia, marcando uma nova etapa em sua longa trajetória.

Concorrência com grandes supermercados

Nas décadas de 1970 e 1980, o Mercadão de Campinas enfrentou um novo desafio: a ascensão dos supermercados como principal canal de abastecimento alimentar da população urbana. Com a chegada de grandes redes e a consolidação do modelo de autosserviço, os supermercados passaram a oferecer conveniência, variedade de produtos industrializados e facilidades de pagamento, elementos que alteraram profundamente os hábitos de consumo dos campineiros.

Enquanto a CEASA concentrava o comércio atacadista, os supermercados dominaram o varejo, reduzindo significativamente a clientela tradicional do Mercadão. O consumidor, que antes buscava no mercado municipal alimentos frescos, passou a valorizar a comodidade de resolver todas as compras em um só lugar — tendência reforçada pela expansão da malha urbana e pela mudança no estilo de vida das famílias.

Essa transformação não foi exclusiva de Campinas. Conforme estudos sobre o abastecimento alimentar no Brasil, o avanço dos supermercados durante o regime militar foi impulsionado por políticas de incentivo à concentração e modernização do varejo, em sintonia com o projeto de crescimento urbano e industrial do país .

O impacto direto sobre o Mercadão foi a perda gradual de sua relevância como espaço cotidiano de compras. Muitos boxes e bancas fecharam, e a ocupação do prédio passou por redefinições, com a entrada de comércios voltados à gastronomia, hortifrutigranjeiros especializados e lojas de produtos diferenciados — buscando sobreviver num nicho de mercado em meio à pressão da concorrência.

A resistência do Mercadão, entretanto, não foi passiva. Sua localização central e o valor simbólico de seu patrimônio histórico ajudaram a manter uma clientela fiel e permitiram que o espaço se reinventasse nas décadas seguintes, cultivando uma imagem mais ligada à tradição, à cultura e à experiência sensorial do que propriamente à competitividade de preços.

Reformas e restaurações ao longo do tempo

Desde sua inauguração em 1908, o Mercadão de Campinas passou por diversas reformas e intervenções que acompanharam as transformações urbanas, sanitárias e culturais da cidade. Essas reformas foram fundamentais para sua preservação e adaptação às novas demandas.

Mercadão de Campinas em obras - foto: Rogério Capela – Acervo PMC
  • A primeira grande intervenção ocorreu em 1933, com melhorias nos serviços de iluminação, piso, água e esgoto, em resposta às exigências sanitárias crescentes daquele período. Nas décadas de 1940 e 1950, o aumento expressivo do fluxo comercial levou à ampliação de boxes e reorganização dos espaços internos, adequando o prédio ao seu papel como entreposto regional de alimentos.
  • Na década de 1970, o edifício quase foi demolido durante a gestão do prefeito Orestes Quércia. A proposta, embalada pelo discurso de modernização, enfrentou forte resistência dos comerciantes e da sociedade civil, o que resultou em reformas paliativas, como nova pintura, substituição do piso e acréscimo de boxes, evitando-se sua extinção.
  • Já em 1994, foi realizada uma reforma estrutural importante, com modernização das redes elétrica, hidráulica, de esgoto e combate a incêndio, além do resgate das cores originais da fachada (com listrado bege e cor de telha). Dois anos depois, em 1996, o mercado passou por nova reforma de revitalização, focada na recuperação de características arquitetônicas originais e na valorização estética do edifício.


Em 2005, o Mercadão ganhou nova pintura na fachada, reforma do telhado, padronização das platibandas e troca dos toldos dos boxes.

Tombamento

O Mercadão de Campinas é protegido por tombamento em duas esferas: estadual e municipal. O reconhecimento inicial veio do CONDEPHAAT (Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico, Arqueológico, Artístico e Turístico do Estado de São Paulo), que tombou o edifício em 1982, por meio do processo nº 22.362/82. O órgão estadual considerou sua relevância histórica, arquitetônica e social, especialmente por ser uma das primeiras obras do arquiteto Ramos de Azevedo em Campinas e por sua vinculação direta ao desenvolvimento urbano e ao abastecimento agrícola regional.

O tombamento municipal foi realizado posteriormente, em 1990, pelo CONDEPACC (Conselho de Defesa do Patrimônio Cultural de Campinas), reforçando o compromisso da cidade com a preservação de um de seus edifícios mais emblemáticos. Com isso, qualquer intervenção ou reforma no Mercadão passou a exigir avaliação e aprovação dos órgãos de proteção, garantindo a conservação de suas características originais e de seu papel simbólico na história campineira.

Bar do Pachola

O Bar e Restaurante do Pachola foi um dos símbolos mais marcantes do Mercadão de Campinas. Fundado em 1908 pela família Garcia, logo após a liberação para a venda de alimentos e bebidas no Mercadão, tornou-se o primeiro comércio do gênero no local. À frente do balcão estava Hermínio Garcia, o lendário “Pachola”, conhecido pelo carisma e pela generosidade com os fregueses. Seu virado à paulista — prato farto com arroz, feijão, bisteca, banana, ovo, linguiça, torresmo e couve — tornou-se referência entre trabalhadores rurais e comerciantes. Diz-se que o bar recebeu personalidades como Pelé, Roberto Carlos e JK.

Além da comida, destacavam-se as pimentas cultivadas pela irmã Carminha e as cachaças artesanais, como a de maçã. O ambiente era simples, mas acolhedor, com apenas quatro disputadas mesas. O bar foi também espaço de cultura, com rodas de samba e histórias narradas por jornalistas como Zaiman de Brito Franco. Após a morte do fundador, seu filho Wilson, o “Pachola Filho”, manteve a tradição até o início dos anos 2010, quando o bar fechou definitivamente. Foram quase 100 anos de funcionamento ininterrupto, tornando-se um verdadeiro patrimônio afetivo para Campinas e cidades vizinhas como Cosmópolis, Paulínia e Americana.

Imagens: Adriano Rosa

Reforma e Revitalização 2023-2025

Mercadão de Campinas em obras - foto: Rogério Capela - Acervo PMC

A reforma do Mercado Municipal de Campinas, iniciada em julho de 2023, é a mais abrangente desde sua inauguração em 1908. Com investimento total de R$ 6,1 milhões, sendo R$ 5 milhões provenientes do Ministério do Turismo e o restante de recursos municipais, o projeto de autoria do escritório Werk Arquitetura, visa modernizar o espaço sem comprometer suas características históricas.

Principais Intervenções

  • Infraestrutura: Substituição completa das redes elétrica, hidráulica, de esgoto e gás.
  • Acessibilidade: Instalação de elevadores e banheiros acessíveis.
  • Boxes: Padronização e reorganização dos 120 boxes comerciais.
  • Mezanino: Construção de um mezanino central que abrigará dois restaurantes tradicionais: Empório do Fortão e Snack Meat Bar.
  • Fachada e Telhado: Revitalização completa, incluindo nova pintura e substituição do telhado.


Atrasos e Desafios

A previsão inicial de conclusão era para meados de 2024, mas diversos fatores contribuíram para o adiamento:

  • Imprevistos Estruturais: Descoberta de um corpo d’água sob a construção, exigindo obras de drenagem não previstas inicialmente.
  • Condições Climáticas: Chuvas intensas afetaram o andamento das obras externas.
  • Fornecimento de Materiais: Atrasos na entrega de pisos de granito e portas de aço, específicos para a obra.

Imagens: Werk Arquitetura

Reabertura

A reabertura do Mercadão está condicionada à finalização das obras gerais e das reformas individuais dos boxes, que são de responsabilidade dos próprios permissionários. A Prefeitura estima que a maioria dos boxes estará pronta até a entrega do prédio, mas não há uma data específica para a reinauguração completa.

O projeto de revitalização do Mercadão integra um esforço maior da Prefeitura de Campinas para requalificar a área central da cidade, preservando seu patrimônio histórico e cultural.

Em abril de 2025, a Prefeitura atualizou a previsão de entrega para o segundo semestre de 2025. Estamos ansiosos!

Horário e informações

Rua Benjamin Constant, 875 – Centro – Campinas

Horário de funcionamento ao público: atualmente fechado com previsão de reabertura em 2025.

 

Bibliografia e referências

  • Estudo de tombamento do edifício do Mercado Municipal de Campinas – Processo nº 22.362/82 – CONDEPHAAT
  • MARTINS, Valter – Das casinhas ao mercado. O abastecimento urbano e a Câmara Municipal de Campinas em meados do século XIX – Anais do XXVI Simpósio Nacional de História – ANPUH • São Paulo, julho 2011
  • MARTINS, Valter – Tanguás: simulacros da liberdade nos últimos anos da escravidão em Campinas – XXIV Simpósio Nacional de História – ANPUH • São Paulo, 2007
  • Site EMDEC – Boaventura do Amaral já foi conhecida como Rua do Mercado
  • Acervo Centro de Memória – Unicamp
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